sexta-feira, 21 de novembro de 2014

CREATIVEFEST#8 AT ZDB


photo: Ernesto Rodrigues with Nuno Torres, Bruno Parrinha and Ricardo Guerreiro

Pelo terceiro ano consecutivo acolhemos o Festival Creative Sources, mostra superlativa do catálogo da influente e multifacetada etiqueta de música experimental improvisada, fundada por Ernesto Rodrigues..

Fundada pelo músico Ernesto Rodrigues em 1999, a Creative Sources é uma das mais importantes editoras a nível mundial no campo da música experimental e electro-acústica. Aproveitando a edição de ‘Caixa-Prego’ do Trio Bande à Part, acolhemos um festival exclusivamente dedicado a este catálogo.
Duas noites dedicadas ao fervor criativo da improvisação com uma sequência de espectáculos de diversas formações. Participarão neste evento nomes ligados à improvisação como Sei Miguel, Rodrigo Pinheiro, Bande à Part, Yaw Tembe e até mesmo o responsável da editora, Ernesto Rodrigues. (ZDB)

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

PRÁTICA E RECEÇÃO DA MÚSICA IMPROVISADA EM PORTUGAL: 1960 a 1980


photo: IKB Ensemble

Ernesto Rodrigues (n. 1959), violinista, constitui-se como outro exemplo de músicos improvisadores que iniciaram a sua atividade no final dos anos 70, início dos anos 80, com Carlos Bechegas e Jorge Valente, tendo sido influenciado pelo grupo Plexus, de Carlos Zíngaro. A sua linha estético-musical desenvolveu-se, no entanto, a partir de fundamentos distintos dos do free jazz, centrando-se na exploração de texturas sonoras acústicas e eletrónicas mais próximas da corrente denominada near silence180, tendo vindo a fundar a editora Creative Sources, em 1999, vocacionada para a música improvisada, e o grupo de improvisação Variable Geometry Orchestra, em 2000.
Manuel Guimarães (Tese de Mestrado)

TEMPORADA MISO MUSIC PORTUGAL EM RESIDÊNCIA NO IFP (2009)




photo: Ernesto Rodrigues and Neil Davidson

Concerto de música de câmara electroacústica para seis músicos, baseada em improvisação estruturada próxima da corrente estética "near silence" ou reducionista. A abordagem de cada músico aos diferentes instrumentos, neste caso, cordas acústicas e eléctrica, percussão, saxofone, trompete e electrónica, põe em evidência a exploração textural e sonora dos timbres em situações de micro-grupos ou em densidades e dinâmicas de conjunto, acentuando a sua relação com o espaço envolvente. Esta reunião de intérpretes/ compositores é protagonizada por Ernesto Rodrigues que desde há cerca de 20 anos se apresenta como um dos violinistas mais importantes do panorama musical português, abarcando diversos estilos, desde a música contemporânea, ao free-jazz, à música improvisada ao vivo e em estúdio. (Miso Music)

sábado, 15 de novembro de 2014

CREATIVE SOURCES 2012-2014: IMPROVISAÇÃO CONTÍNUA



photo: Ernesto Rodrigues with Nuno Torres and Nuno Morão


Ao leme da editora Creative Sources o violista Ernesto Rodrigues tem sido responsável pela construção de um arquivo sonoro que já se aproxima dos trezentos volumes. Fundada no ano de 2001, e actualmente já com 285 discos editados, a editora tem hoje em dia um catálogo fenomenal, verdadeiramente representativo daquilo que é a improvisação no século XXI. Especialmente associada ao reducionismo, a editora não se tem limitado a uma estética única, com algumas aproximações ao FREE jazz e à improvisação mais abrangente, promovendo sobretudo músicas que privilegiam o detalhe e o pormenor sonoro. Pelas edições da Creative Sources têm passado músicos portugueses essenciais (como Manuel Mota, Margarida Garcia, Hernâni Faustino, Rafael Toral ou Sei Miguel), além de figuras internacionais (como Peter Evans, Radu Malfatti, Oren Marshall, Rhodri Davies, Axel Dörner, Mazen Kerbaj, Dan Warburton, Urs Leimgruber, Tetuzi Akyiama, Christian Lillinger, Jean-Luc Guionnet, entre muitos outros). Na continuação ao TRABALHO de revisão da obra da editora (depois de termos passado pelos períodos de 2005-2006 e 2007-2010), fazemos agora uma recapitulação ao trabalho mais recente da editora, com uma selecção de álbuns editados nos últimos três anos, todos contando com a participação do violista e mentor da editora, Ernesto Rodrigues. A improvisação continua. Nuno Catarino (Bodyspace)

CREATIVEFEST#8


drawing: rita draper frazão


Alto nível

Com nove concertos divididos em três dias, na Galeria Zé dos Bois e na Igreja de St. George, o festival da editora Creative Sources juntou uma boa parte dos músicos activos na cena da improvisação em Portugal. O nível esteve sempre por cima.

Nos dias 7, 8 e 9 de Novembro aconteceu a oitava edição do Creative Fest, o festival da editora Creative Sources. Esta já se aproxima dos 300 títulos editados, numa linguagem de modo geral próxima do near silence, e alinhou para o efeito uma mescla de formações trabalhadas regularmente e outras em estreia absoluta, com concertos entre a ZDB e a Igreja de St. George, em Lisboa. 

Desordeiramente

A abrir o primeiro dia tivemos um trio constituído por Paulo Curado na flauta, Miguel Mira no violoncelo e João Madeira no contrabaixo. Mira e Madeira têm vindo a desenvolver uma proveitosa parceria, nomeadamente no projecto Sopa da Pedra, com a trompetista Hilaria Kramer. A dupla de graves em festa apresentou-se desta vez com Curado, evidenciando uma sólida união entre estes músicos. Numa actuação algo curta, o trio apresentou-se coeso sobre um pulsar comandado por Mira e seguido desordeiramente pelos restantes elementos.

De seguida tocaram Albert Cicera nos saxofones, Hernâni Faustino no contrabaixo e Rodrigo Pinheiro na electrónica. Todos os concertos do festival, com mais ou menos decibéis, se enquadraram numa linguagem abrangente associada ao experimentalismo e à improvisação. Sem fugir a esse género alargado, esta actuação evocou o seu quê de “chill out”, banhando a Galeria Zé dos Bois com um “feeling” de praia no Inverno, talvez muito por culpa de Pinheiro.

O também pianista criou uma envolvência electrónica a lembrar o som de ondas no mar. Se Rodrigo Pinheiro foi a maré, as cordas granosas do contrabaixo de Faustino foram a areia. O sopro de Cicera foi o vento carregado de maresia salgada, ora mais contido, ora num final mais melódico e expansivo, como se John Lurie estivesse em São Pedro de Moel num dia mau de Dezembro.

O terceiro de quatro concertos do primeiro dia contou com José Bruno Parrinha no clarinete, Yaw Tembe no trompete e Guilherme Rodrigues no violoncelo. Foi o concerto mais reducionista do dia, com momentos de evidente tensão silenciosa. Rodrigues é peixe dentro de água neste registo, ao contrário de Parrinha e Tembe, que por vezes resvalavam para zonas mais cinzentas. O som geral ganhava sempre que havia cedências no braço de ferro idiomático e ou se assumia a contenção ou se libertavam os sopros para cenários em que pudessem cantar à vontade.

O último concerto da noite era também o mais esperado. A sala encheu-se para ouvir os Bande à Part a comemorar o lançamento do seu primeiro disco, “Caixa Prego”. A banda é constituída por Joana Guerra no violoncelo, Ricardo Ribeiro nos clarinetes e Carlos Godinho na percussão. Tocando num registo a respirar sangue e ideias novas e contendo em si todos os ensinamentos retirados da velha guarda da improvisação portuguesa, este trio reúne o melhor de dois mundos.

Excluindo o prolífero e eterno duo de Sei Miguel e Fala Mariam, os Bande à Part foram o grupo mais continuado de todo o festival, e isso ouviu-se, distanciando-os das formações ad-hoc. O conhecimento mútuo e os papéis complexos e mutáveis bem definidos entre os três fazem deste um dos projectos mais sólidos e interessantes da cena actual de música improvisada em Portugal. Mereciam um lançamento de disco com mais destaque, embora se tenham inserido muito bem na programação deste Creative Fest. 

Do caos ao xadrez

O segundo dia de concertos na ZDB começou com um duo do percussionista José Oliveira e da cantora Maria Radich. Para além de uma panóplia de pequenos objectos sobre um timbalão de chão, o primeiro usou uma concertina, “field recordings” e um balde com água. Mesmo com as luzes reduzidas, esta não deixou de ser uma apresentação muito visual, com Oliveira a multiplicar-se entre instrumentos com grande presença cenográfica e Radich, também bailarina, a usar o corpo como complemento natural da voz. Qualquer um dos três duos da noite se poderia dividir entre yins e yangs: neste caso, José Oliveira estaria remetido a um papel de natureza na sua busca por um caos inato e Maria Radich emprestava a sua voz a civilizações inteiras.

Sei Miguel (trompete) e Fala Mariam (trombone) reinterpretaram de seguida o tema “Asterion”, peça escrita e estreada em 1999 e parte do disco “Ra Clock”, cuja interpretação conta com os músicos Monsieur Trinité e Paulinho Russolo, para além de Miguel e Mariam. Sei Miguel introduziu a peça com uma explicação: o minotauro (Asterion – meio homem, meio animal, meio divino) condenado a passar a sua vida a percorrer um labirinto é mais representativo da condição humana do que o herói que o mata.

O trompete, enquanto instrumento associado à tourada, tem nesta peça um papel ambíguo. O ataque das notas de Sei Miguel representa tanto a melodia de um Teseu toureiro celeste, como a complexidade associada à existência da criatura mitológica. Já o trombone é um yin assumido da escuridão monstruosa do minotauro, o bom diabo. O não-jazz de câmara mediterrânico ali ouvido deixou-nos a chorar por mais.

Seguiu-se um duo de electrónicas, por João Silva e Carlos Santos. Sentados frente a frente, utilizando uma mesma mesa de mistura e objectos amplificados, remeteram-nos para um cenário bergmaniano no qual ambos jogavam xadrez contra a morte. Se Santos pode ter uma propensão para os sons inorgânicos, Silva trouxe consigo uma bagagem cheia da filosofia e da sonoridade asiáticas. O jogo de xadrez acabou empatado entre a musique concrète e o “drone”.

Sugerem os estudiosos desta matéria que a música surgiu com a repetição dos ritmos dos passos, das enxadas a cavar e do grito transformado em canto. Ritmo e melodia organizados de acordo com padrões reconhecíveis. Ora, aquilo que se pôde ouvir neste festival em geral e no último concerto do segundo dia em particular foi uma organização sonora de acordo com pormenores do mundo audível que poderão facilmente passar despercebidos. O trio composto pela principal figura da Creative Sources, Ernesto Rodrigues, na viola, Nuno Torres no saxofone alto e Nuno Morão na tarola explorou, sobretudo, esse mundo de subtilezas.

Aquilo que poderá passar por estranheza para a maioria talvez o seja devido à falta de atenção àquilo que nos rodeia. Por essa ordem de ideias, Torres parecia saído de outro planeta, emanando sons para os quais não há onomatopeias satisfatórias. Mestre na arte da tensão, Rodrigues geriu pacientemente as suas intervenções. Não haverá muitos percussionistas à altura da ingrata e difícil tarefa de acrescentar alguma coisa num registo reducionista, mas Morão foi responsável por muita da cor ouvida no último concerto a ocorrer na ZDB. 

Rhinocerus

Ficou guardado para a Igreja de St. George o último concerto do Creative Fest, com o IKB Ensemble, também a comemorar o lançamento de um CD, “Rhinocerus”, gravado ao vivo no Panteão Nacional. O colectivo reuniu 18 músicos, a saber Ernesto Rodrigues, Marian Yanchyk, Guilherme Rodrigues, Miguel Mira, José Oliveira, Maria Radich, Bruno Parrinha, Paulo Curado, Nuno Torres, Yaw Tembe, Eduardo Chagas, Gil Gonçalves, Abdul Moimême, Armando Pereira, Rodrigo Pinheiro, Carlos Santos, João Silva e Nuno Morão. A maioria dos membros do IKB participou nas formações que tocaram nos dias anteriores do festival.

Mais do que um grande número de pessoas a tentar tocar pouco e baixinho, este “ensemble” quase-near-silence primou pelas dinâmicas estereofónicas que causam um imenso impacto. Embora com poucos devotos na igreja, o naipe de instrumentistas muito rico em timbres cumpriu com PROFISSIONALISMO e sentido de compromisso um bom concerto, que esperemos que resulte em mais uma edição Creative Sources. Bernardo Álvares (Jazz.pt)